5.10.06

Mensagem do Mestre V

Betinho


Esta é uma história que infelizmente aconteceu de verdade. Não foi do outro lado do mundo, foi aqui ao lado, nas ruas de Porto Alegre.

Betinho procurava nas ruas o que a vida não lhe deu dentro de casa: comida, amigos, dinheiro. A vida nem mesmo lhe deu uma casa. Ele saía todos os dias debaixo de uma ponte e pedia. Era tudo o que podia fazer, pedir. Quase sempre recebia só o que não pedia: hostilidade, agressão, rispidez. As faces indiferentes dentro dos carros ignoravam a presença daquele menino franzino em suas janelas. Motoristas impacientes contavam os segundos para o sinal verde abrir e poderem deixar para trás uma realidade que não lhes convinha.
Betinho insistia: - Só uma moedinha, tio. Tô com fome!
- Não, eu não posso ir pra escola. Não tenho um caderno, nem um chinelo pra calçar eu tenho.
- Meu pai? A essa hora já tá bêbado. Daqui a pouco ele chega e vai bater na minha mãe de novo. Hein, tio, só uma moeda.
- Não, eu não sou drogado. Eu tô com fome, ainda não comi nada hoje.
- Ah, esse cheiro de cola? O senhor já passou fome, tio? Sabia que cheirar cola faz a fome passar? Eu não era drogado, não. Me deram cola pra cheirar uma vez e a minha fome passou. Como é boa a sensação de barriga cheia, eu fico meio tonto, isso é ruim, mas pelo menos a fome passa.
- Não, eu não vou roubar o senhor, não precisa ter medo de mim. Preciso da sua ajuda, tio. Só uma moedinha, vai?!
- Eu sei que o senhor não pode dar moeda pra todo mundo que pede. Eu não sou todo mundo, tio. Eu tô aqui na sua frente, to precisando comer, dá um trocado só pra mim.
- Ei, psiu, não fecha o vidro, não. Eu ainda tô aqui. Eu ainda tô com fome.
- É, o problema é meu mesmo, mas eu só queria que alguém me ajudasse...
- O senhor é só mais um que não me ajuda. Mais um pra xingar minha mãe, pra chamar meu pai de bêbado, pra me chamar de drogado. Mas olha aqui na minha cara, tio. O senhor nem perguntou o meu nome. O senhor sabia que eu tenho um nome?
- Eu também faço aniversário, tio. E sei também quando é Natal. Minha mãe me disse que no Natal a gente tem que comemorar o nascimento de um menino que era pobre que nem eu, mas que foi o melhor menino do mundo. O meu pai fala que Natal é besteira, que só gente rica tem Natal. Mas eu não acredito, ele só fala isso quando tá bêbado.
- Paraí, tio. E a minha moedinha?
- Não chama a polícia, não. Eu não queria lhe incomodar. Não sabia que o senhor ia ficar bravo comigo.
- Ah, quase me esqueço: meu nome é Betinho e tenho seis anos, tio.


Algumas horas depois desse diálogo, Betinho foi atropelado e não resistiu. A família não foi reconhecer o corpo no necrotério, pois não teria dinheiro para o enterro. Misturado à tristeza de sua mãe por ter perdido o filho, ficou o alívio por saber que seria um a menos pra passar fome debaixo daquela ponte.


O diálogo acima foi reconstituído pelo espírito Jean Pierre e psicografado pelo médium Aírton Rosa de Oliveira no mesmo dia em que ocorreram os fatos, 04/10/2006.